O Ministério da Saúde anunciou o lançamento da campanha para incentivar a realização de Parto Normal nas Unidades de Saúde Publicas e Privadas do país, objetivando controlar a “epidemia de cesáreas”, realidade esta, assim denominada pelo Ministro da Saúde, Temporão.
Para caracterizar a “epidemia de cesáreas”, o Ministério da Saúde (MS) lembra que as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) com relação ao Parto Normal orientam a realizá-lo em 85% dos casos; isto é: de cada 100 partos realizados, somente 15 deveriam ser cesáreas.
No Brasil, a mulher gestante terá “grosso modo” dois vieses de atendimento: se for pelo SUS, nos Hospitais Públicos ou Conveniados, de cada 100 gestantes 74 realizarão Partos Normais e 26 serão submetidas a cesáreas. Se a gestante for cliente particular ou de algum Plano de Saúde, a realidade muda sensivelmente, pois de cada 100 gestantes atendidas pelo setor privado somente 20 farão Parto Normal e 80 mulheres serão submetidas a cesáreas; segundo ainda o Ministério da Saúde, os dois setores são responsáveis por 43% das cesáreas realizadas no país.
Esta realidade evidencia as disparidades existentes quanto à assistência ao parto no setor publico e privado, disparidades que não são sinônimos de atenção qualificada e humanizada, porém são interpretadas pelas usuárias do SUS como sendo parte da maldição que EVA recebeu no jardim do Éden: “... Você vai ter muitas dores e sofrimento quando estiver para ser mãe e quando tiver filhos...”.
Portanto, são relacionadas como mais um componente de exclusão, pois estas mulheres vivenciam de perto a atenção realizada por conta do SUS e a realizada no mesmo Hospital conveniado para as usuárias dos planos de saúde ou particulares.
Deduzem que a mulher gestante atendida pelo SUS, de “qualquer jeito”, terá Parto Normal, mesmo que a criança “seja tirada a ferro”, como delas algumas têm referido. Elas sentem “a dor doída” do trabalho de parto, porém afirmam que pior é a dor da solidão, a frieza dos ambientes e os procedimentos, acalentados às vezes por frases curtas: “na hora de fazer, não sentiu dor”, “cala a boca você esta fazendo escândalo sem necessidade” ou “você está dando pití” ou ainda “ é do SUS, é de graça e pode ser de qualquer jeito”...
Deduzem também que Parto pelo SUS, significa Parto Normal, parto para mulheres pobres, excluídas que se tornam invisíveis em alguns Serviços de Saúde e que estão sendo submetidas a alguns procedimentos para garantir as taxas de Parto Normal que o MS exige. Estas mulheres sentem-se vitimas não da maldição de Eva, nem do peso da responsabilidade pela manutenção da espécie, mas sentem-se vitimas do medo e da morte. Nesse contexto, o ventre desaparece do horizonte, vislumbram com nitidez o corpo visível e invisível da mulher que ali esta lutando contra a dor e a morte para garantir a vida e sobrevida da espécie.
Relatos de experiências “aterradoras” durante o trabalho de parto e parto deixam seqüelas no puerpério (pós-parto) e depois deste em determinadas mulheres, repercutindo negativamente nas gestantes que realizam pré-natal nas Unidades Básicas do Programa de Saúde da Família (PSF) onde os vínculos comunitários são mais intensos. De forma que algumas decidem realizar o pré-natal pelo SUS e vender algum bem ou se endividar para garantir o parto particular com a garantia de “evitar o sofrimento e humilhações” realizando cesárea.
Outros fatores que podem levar a que mulheres considerem que via de regra o parto tem de ser cesárea é a duplicidade de discursos de alguns profissionais da Saúde: no âmbito do SUS e no setor privado, no primeiro tenta-se seguir as orientações do MS sobre Parto Normal, no segundo essas orientações já não são válidas o que interessa é o preço da cesárea. Nesse contexto, é necessário enfatizar que, enquanto alguns planos de Saúde remunerarem pouco pelo Parto Normal, os profissionais continuarão privilegiando a cesárea nesse setor.
Observam-se algumas “contradições” aparentes quanto às taxas de cesáreas prevalentes no Brasil e o relatório da UNICEF emitido no início de 2008, relacionado com a meta 4 dos Objetivos do Milênio, a qual prevê a redução da taxa de mortalidade infantil pela metade até 2015. Este relatório revela que o Brasil reduziu a taxa de mortalidade de crianças menores de 5 anos, porém dados mostram que, entre as crianças que morrem durante o primeiro ano de vida, 66% morrem durante o primeiro mês e 51% na primeira semana de vida. Estes dados relacionam-se diretamente com a qualidade do pré-natal e predominantemente com a qualidade da assistência ao parto.
A UNICEF relaciona mortalidade infantil à pobreza, às disparidades regionais étnicas e raciais, disparidades idênticas têm de ser consideradas quando abordamos a saúde reprodutiva da mulher nas estatísticas do SUS, isto é, não existem contradições nos dois temas, ambos se complementam. O MS estima que ocorrem 75 óbitos maternos para cada 100 mil nascidos vivos por ano, expondo que existe uma relação direta de morte materna e desigualdade racial, seja qual for a causa (hipertensão, hemorragia, infecção, aborto, etc) a maioria das mulheres que morrem são negras.
O programa de assistência ao Pré-natal, Parto e Puerpério com qualidade e humanizada, tem de ser mais um instrumento e oportunidade de EQÜIDADE para as mulheres usuárias do SUS na perspectiva das Diretrizes do MS e recomendações da OMS quanto à atenção obstétrica e neonatal.
O Centro Popular da Mulher/União Brasileira de Mulheres (CPM/UBM) acredita firmemente que o SUS com o Programa Integral de Assistência à Saúde da Mulher é imprescindível para o fortalecimento das lutas pela igualdade de GÊNERO, intrinsecamente associado às questões de raça/etnia, condição sócio-econômica, orientação sexual, etc.
Em prol da campanha do Parto Normal, lançada pelo MS consideramos relevantes lembrar alguns aspectos que visam o fortalecimento da qualidade e humanização da assistência da Mulher na gestação, parto e pós-parto:
-Fortalecimento e apoio nos três níveis de atendimento do Programa de Saúde Reprodutiva da Mulher (pré-natal parto e puerpério).
-Obrigatoriedade do uso do PARTOGRAMA nas Unidades Hospitalares que realizam Parto, como condição sine qua nom para faturar as AIHs do SUS.
-Obrigatoriedade da Garantia de ACOMPANHANTE durante o trabalho de parto, parto e no pós-parto.
-Inclusão de INDICADORES DE RESULTADO e de IMPACTO do componente MATERNO nos indicadores do MS, haja visto que, dos oito existentes, apenas um refere-se a este (Razão da mortalidade no município).
-Obrigatoriedade de inclusão destes indicadores nas fichas e relatórios das Equipes de Saúde da Família (Agentes Comunitários de Saúde) como ser: Tipo de parto, Local do parto, Complicações e seqüelas do parto (Infecção puerperal, hemorragias, hemotransfusões, histerectomias e outros).
-Visibilidade destes indicadores no SIAB e/ou outros sistemas de informação.
-Obrigatoriedade do preenchimento do Cartão da gestante nos seus componentes: Pré-natal, parto, recém nascido e puerpério.
-Fortalecimento da Fiscalização da qualidade de Assistência ao Parto nos três níveis de Gestão.
-Avaliação do IMPACTO da qualidade da assistência ao parto pelo SUS após a determinação do MS de pagar aos Hospitais conveniados uma cesárea para cada três partos normais.
-Verificar se a medida anteriormente citada está sendo mantida à custa das mulheres pobres e excluídas.
-Fortalecimento do controle social na qualidade da assistência ao parto, através dos Conselhos de Saúde e da participação da comunidade.
-Fortalecimento dos Comitês de Mortalidade Materna e VISIBILIDADE dos dados e informações obtidos destes.
-Criar mecanismos para ouvir a avaliação e sugestões das mulheres usuárias do SUS, que realizaram o parto pelo Sistema em Unidade Pública ou Conveniada.
-Disponibilidade de ANALGESIA de Parto pelo SUS como se realiza nos paises do primeiro mundo.
- Preparação dos profissionais para abordagem humanizada do pré-natal, do parto e pós-parto, com ênfase no respeito às diferença de gênero.
-Valorização e apoio às PARTEIRAS de todo o Brasil, que fazem acompanhamento da gestação, realizam o parto e orientam o pós-parto de muitas mulheres que estão distantes das Unidades de Saúde do SUS.
Acreditamos que a redução das taxas de cesárea implica o aumento do número de Partos Normais, a diminuição das taxas de Mortalidade Materna e Infantil, assim como a garantia da qualidade de vida para o binômio MÂE-FILHO, o que nos remete a ENXERGAR a MULHER além do reducionismo reprodutivo. Sendo ELA VIDA e estando VIVA precisa permanecer com todas suas QUALIDADES INTACTAS, após trazer à LUZ outro SER VIVO de maneira DIGNA e HUMANA, é o mínimo que a Sociedade e o Sistema de Saúde podem oferecer às Mulheres que enfrentam a Gravidez, Parto e Puerpério no Brasil.