domingo, 19 de outubro de 2008

No Dia Mundial da Alimentação as companheir@s do MST fazem jejum em protesto contra a Fome (Leticia Erica)


Dia 16 de outubro, quando é comemorado o Dia Mundial da Alimentação, integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra se reunem na porta da Catedral de Goiânia para um dia de jejum, reflexão e discussão sobre questões relacionadas ao direito à terra, à produção de alimentos, à fome e à justiça social. São mais de 80 pessoas, uma grande parte delas mulheres de diferentes idades, que levam consigo a esperança de conquistar uma vida mais digna e de poder dar aos seus filhos a oportunidade de construir um futuro melhor.
Os integrantes do movimento, que atualmente se encontram acampados na porta da Sede do Incra para reinvindicar mais uma vez seus direitos, vem de 9 diferentes acampamentos ou assentamentos espalhados em diferentes municípios do Estado de Goiás. O ocupação é organizada por duas mulheres, as quais coordenavam também as atividades desse dia 16. Na ocasião, o Centro Popular da Mulher de Goiás teve a oportunidade de conversar com algumas mulheres, se inteirar das condições de vida nos respectivos acampamentos e apresentar nosso apoio à essa luta que é de cada um@ nós.

“A única coisa que queremos é ter uma vida digna e dar uma vida melhor para nossos filhos e netos. Só queremos a terra que é nossa por direito”, diz Eliene, que vive há 8 meses perto da cidade de Caldas Novas. A mesma se emociona ao falar da condição de vida no acampamento, principalmente das mulheres, que sofrem com a falta de água tratada e assitência médica, sobretudo para as gestantes. Essas mulheres batalhadoras, como grande parte das mulheres brasileiras, além de se ocupar com os afazeres domésticos e o cuidado dos filhos, se dedicam à lavoura, de onde tiram parte do sustento da família.

Quando perguntei a Eliene o que significava fazer um jejum no Dia Mundial da Alimentação, ela me respondeu que era uma forma de pedir a Deus forças na luta pela igualdade e também de pensar naqueles que passam fome. Quanto ao Movimento do Trabalhadores Rurais Sem Terra e o propósito de estarem acampados na Sede do Incra ela comenta: “Nós somos uma família os Sem Terra de todo o Estado, é um um amor, um calor tão grande que as pessoas não compreendem. Não queremos invadir nada, só queremos é que o Incra cumpra o que eles promete conosco, porque a gente vem, a gente fala, negocia, eles mentem, a gente volta, eles não cumprem o que eles estão falando com a gente. A gente quer uma solução, porque são famílias que estão sofrendo ali na porta do Incra por falta da palavra afirmada de verdade por eles... a gente quer que eles façam o que é certo deles fazerem que é distribuir a terra que nós precisamos, todo mundo está aqui pra isso.”
Sorridente, cheia de esperança e com brilho nos olhos, essa mulher guerreira, como as outras ali presentes, sabe porque luta e o que quer, conhece seus direitos, sabe pensar e questionar problemas atuais. Aliás, é sobre a crise dos alimentos, a apropriação da terra para a plantação da cana de açucar, a produção de biodísel e todos os problemas que ela traz consigo, que mulheres e homens, sentados no chão e divididos em grupos, leem e discutem nesse dia. E ao passar de grupo em grupo pudemos ouvir questionamentos e comentários pertinentes, inteligentes e interessantes, por parte de mulheres de mãos calejadas e semblantes sofridos, que reconhecem a importância de estudar, refletir e pensar sua condição de sujeito nesse mundo.
Ana, ao contrário de Eliene, já está num assentamento, porém a realidade também é dura para ela e seus três filhos, assim como para o restante das mulheres do Assentamento Oziel, cerca de 50 km da cidade de Doverlândia. A falta de água tratada e de atendimento médico, são também suas principais queixas. “Somente alguns tem filtros, a maioria tem que ferver a água para dar pros filhos. Não temos assistência médica, a sorte é que o lugar é agradável e quase ninguém fica doente, só pras mulheres gestantes que fica mais difícil, pois quando elas não têm seus filhos em casa com a ajuda dos outros, dá a luz no meio do caminho, dentro do carro. ”

Como todas as mulheres do movimento, Ana também trabalha na terra e não se queixa de enfrentar o sol ou a enxanda, sua queixa é contra os problemas que impedem que a colheita seja produtiva, segundo ela, o que produzem no assentamento não é suficiente para alimentar a todos os trabalhadores: “Tem sempre pragas e outros problemas que atrapalham a colheita; então não conseguimos alimento suficiente.”
A qualidade da terra que se tem destinado à Reforma Agrária foi também um dos assuntos discutidos durante esse dia de concentração em frente à Catedral. “É preciso que se reveja a forma como é feita a distribuição da terra, pois as melhores terras são destinadas à plantação de cana, enquanto que as terras destinadas à Reforma Agrária, são muitas vezes impróprias para a produção”, afirma um dos organizadores do Movimento. Esse problema também preocupa Linda, uma adolescente do movimento: “Eles se preocupam em plantar cana e deixam de plantar arroz, feijão, trigo e milho para a gente ter na mesa, então as pessoas que trabalham na terra vão acabar indo pras cidade, sem ter o que fazer”.
Poder passar parte do dia conversando e, sobretudo, ouvindo essas mulheres simples e fortes foi para nós gratificante e enriquecedor. Saimos dali com o coração apertado, porém desejoso de formar parte nessa luta, lado a lado com essas mulheres guerreiras. Nosso coração responde SIM à companheira que nos disse: “Vem conosco, vem pro nosso lado!”

E terminamos esse texto transcrevendo uns versos de Pablo Neruda, impresso no jornal que lemos durante esse dia: “... creio cada noite no dia, e quando tenho sede creio na água, porque creio no homem. Creio que vamos subindo o último degrau. Dali veremos a verdade repartida, a simplicidade implantada na Terra, o pão e o vinho para todos.”