(fonte: http://drauziomilagres.blogspot.com/)
Enquanto em muitos países o aborto é legalizado e, portanto, as mulheres que decidem fazê-lo o fazem de forma segura, com toda a assistência psicológica e médica que lhe é de direito, no Brasil, o movimento organizado de mulheres tem lutado, anos a fio, para que o aborto deixe de ser crime e para que as mulheres que o fazem tenham direito a viver ao invés de serem condenadas à morte ou à prisão.
Hoje, no Brasil, o aborto é legal em alguns casos: Estupro ou risco de vida para a mãe, mesmo assim, para que uma mulher vítima de estupro tenha acesso a esse “direito” deve passar por uma via crucis que passa pela delegacia de polícia, IML e tribunais de justiça, ficando a mercê de uma decisão judicial que pode ou não ser favorável. Isso sem falar na condenação antecipada da igreja, que se acha soberana e com direito de decidir sobre a vida ou a morte.
Achando que o sofrimento das mulheres pobres, vítimas de todo o tipo de violência e descaso, ainda é pequeno e que o fardo da mulher vítima de estupro - pobre, violentada, carregando no ventre o resultado de uma violação, condenada pela igreja, enfrentando IML e tribunais – ainda é leve, a Comissão de Seguridade Social e Família aprovou um projeto de Lei que cria o Estatuto do Nascituro e muda o texto que garante à mulher o direito realizar aborto em caso de estupro.
Se o projeto virar lei a mulher vítima de estupro não poderá mais abortar. Devo ressaltar que a MULHER POBRE, que é a principal vítima da violência e do descaso da sociedade, não poderá realizar o aborto assistido. A mulher rica, porém, continuará realizando com toda a segurança o aborto – independente se a gravidez é conseqüência de estupro ou não – em clínicas particulares e com médicos capacitados, sem contudo passar por qualquer tipo de condenação moral ou social e sem correr o risco de morrer vítima de hemorragia ou infecção.
Segundo o Ministério da Saúde, a prática de abortos clandestinos em condições de insegurança é responsável pela alta incidência de mortes maternas entre mulheres de idade de 15 a 19 anos. A morte por aborto é a quarta causa de morte entre as mulheres no Brasil, são 70.000 mulheres que morrem a cada ano em consequência de abortos mal realizados.
De onde vêm essas mulheres? Será que são SETENTA MIL mulheres com poder aquisitivo que morrem a cada ano no Brasil por realizarem abortos clandestinos? Quantos casos você conhece de mulheres das classes A e B que morreram vítimas de abortos mal realizados? Será que mulheres com algum poder econômico não fazem aborto?
Claro que mulheres das classes mais favorecidas também realizam abortos, e tem todo o direito e fazê-lo, de decidir sobre o seu corpo, como qualquer mulher. Defendemos que toda mulher, independente se rica ou pobre, tem o direito de decidir. Contudo, sabemos que as mulheres com poder aquisitivo, têm acesso a clínicas particulares e profissionais capacitados, ao contrário das mulheres com menor status sócio-econômico, que realizam abortos em clínicas clandestinas ou utilizando-se de remédios caseiros. Sendo assim, o acesso a serviços de aborto seguro está diretamente relacionado ao maior ou menor poder aquisitivo de quem necessita e busca tais serviços.
Conclusão: são as mulheres pobres, na maioria das vezes, pretas ou pardas, sem instrução e vítimas de todo tipo de violações de Direitos Humanos é que são condenadas a morrer em conseqüência de abortos mal realizados, ou - quando sobrevivem a eles- a serem condenas à prisão, à exclusão ou a carregar para sempre as seqüelas psicológicas e físicas de um ato de extrema violência e injustiça social.
Enquanto se deveria avançar, pensando o aborto como uma questão de saúde pública, como o tem feito muitos países; no Brasil existe pessoas que fazem o país retroceder com concepções retrogradas e de cunho religioso fundamentalista, tal como a deputada Solange Almeida (PMDB-RJ), responsável pelo texto que propõe a mudança da lei.
O Estatudo do Nascituro ainda não se tornou Lei, para isso é necessário que ele seja aprovado em outras instâncias. Sendo assim, tod@s que acreditam que a mulher, independente da sua condição sócio-econômica, cor ou religião, tem direito à vida e a decidir sobre seu próprio corpo, devemos trabalhar para evitar que o nosso país retroceda em mais esse ponto.
Devemos ter sempre em conta que Estado não pode continuar controlando a vida sexual e reprodutiva das mulheres e que as leis contra o aborto e a sua aplicação discriminatória em relação as mulheres mais pobres perpetuam a discriminação em razão de gênero e de condições socioeconômicas.
Texto de Letícia Érica http://alma-feminina.blogspot.com/